domingo, 22 de julho de 2007

Dois Quartos: Roteiro e produção feitos para funcionar em grandes teatros e conquistar fãs

Grandiloqüência que leva à cartase

rio17Num Canecão superlotado, Ana Carolina confirmou a força de seu estilo exagerado na noite de quinta feira, na estréia de "Dois Quartos". O clima era de delírio, com fãs igualmente exagerados gritando os habituais "poderosa", "tira a roupa", "eu te amo" etc.


Gosta-se ou não do trabalho de Ana Carolina, ela mostra no palco por que é cantora e compositora de maior sucesso na música brasileira do século XXI: abusa da dramaticidade em seu canto, com a afinação sempre perfeita; as letras das canções têm como temas preferenciais o sexo e as paixões amorosas; enquanto o instrumental de sua ótima banda apela quase sempre para a grandiloqüência. O resultado? Um power pop (mesmo que passe até pelo samba, como Cabide, feito sob medida para Mat'nália) para funcionar em grandes teatros.



Roteiro bem amarrado conduz ao óbvio clímax

Tal receita poético-musical é reforçada pela direção de Monique Gardenberg e Guilherme Leme num roteiro que, bem amarrado, alterna na primeira metade diferentes gêneros _ do tango "Três" (de Marina Lima e Antonio Cícero) à balada suave "Carvão" (Ana Carolina) ou à guarânia "Eu que não sei quase nada do mar" (Ana Carolina e Jorge Vercilo) _para depois enveredar por canções pop de leveza mais pesada, que deságuam num óbvio clímax. Os cenários de Gringo Cardia, com uma cortina de espelhos ao fundo, mudando de cor dependendo da iluminação de Maneco Quinderé; e as projeções usadas em alguns momentos completam o aparato de “Dois Quartos” no palco.


Se o disco duplo homômico _lançado no segundo semestre do ano passa pela Sony BMG _ oferecia outras facetas de Ana Carolina, com algumas faixas flertando com a sutileza da Bossa Nova, outras com experimentalismo, o show que agora chega no Rio, depois de sua estréia polêmica, há um mês, em Belo Horizonte, não arrisca. É Ana Carolina para as massas. E a tal polêmica, a projeção de cenas pretensamente eróticas durante a música “Eu comi a Madona” parece factóide: os trechos de filmes de Bettie Page nos anos 50 não têm nada de escandalosos, ainda mais ao lado da ousada letra de Ana Carolina, Mano Melo, Antonio Villeroy e Alvim L., com versos como “Me esquenta com o vapor da boca/ E a fenda mela/ Imprensando minha coxa/ Na coxa que é dela/ (...)/ É dessas mulheres pra comer com dez talheres/ De quatro, lado, frente, verso, embaixo, em pé.”



Fãs exaltados interrompem até as falas da cantora

“Eu comi a Madona” é, aliás, uma das mais fracas do novo disco. Mas, apelativa que é, teve direito a nova dose tanto no disco (remixada pelo DJ Zé Pedro) quanto no show, fechando a noite como segundo número do bis. Já o sucesso “É isso aí” (versão que Ana Carolina e Seu Jorge gravaram para “The blower’s daughter” de Damien Rice) ficou menos insuportável com Ana Carolina acompanhado-se ao piano e o violão celo de Iura Ranevsky ao fundo. Insuportável mesmo era aturar os fãs mais exaltados que berravam e até interrompiam as falas da cantora, que, em certo momento pediu: “Menos”. Fãs que, em sua balbúrdia, ignoravam o solo de violão celo antes do momento à la Maria Bethânia, no qual Ana Carolina declama trechos do poeta gaúcho Fabrício Carpinejar e do russo Boris Pasternak. Por falar em Bethânia, antes de “Eu que não sei quase nada do mar”, Ana Carolina contou da surpresa que foi receber o telefonema da cantora baiana pedindo uma canção que teria o mar como tema _tudo certo, não fosse o fato dela ter omitido o nome do parceiro Vercilo.


Detalhes que, no entanto, não incomodam o público-alvo da cantora, que parece experimentar uma catarse.


Fonte: O Globo

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