segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Novo disco de Mart'nália reúne repertório de sambas

Madrugada traz músicas para dançar em clima relaxado, com belas homenagens a Elis Regina e João Nogueira



Mart’nália tem berço. Mas também tem estrada. Seu novo disco, Madrugada, é uma síntese das origens da filha de Martinho da Vila e do caminho próprio trilhado em sete discos. A cantora avisa, logo de saída: “É um disco pessoal, relaxadão”, como quem confessa que desta vez a marca autoral é mais forte. Consciente de suas possibilidades, ela convidou gente de casa, amigos e parceiros para fazer um disco que parece completar seu trabalho anterior, Menino do Rio, de 2005. Tudo que era samba de roda e seriedade se transforma em samba-charme e alegria madura em Madrugada.


Como o dia e a noite. A capa dos dois discos denunciam essa continuidade feita de contrastes: em Menino do Rio ela está séria, tendo ao fundo o Arpoador; em Madrugada, com uma luz que convida às noitadas, a cantora sorri descontraída no mesmo cenário. O samba de Mart’nália é azul-claro e azul-escuro.


“Funciono melhor de madrugada”, revela Mart’nália, antes de definir com prazer a maior parte das faixas do disco: “É samba-charme”, derrete-se na descrição de um estilo ideal para dançar, com boa carga de sensualidade e atmosfera relax que ela traduz no jeito meio malandrinho de cantar. Madrugada é cheio de charme. O repertório mescla novas composições com algumas belas homenagens a João Nogueira e Elis Regina, que já estavam presentes no disco anterior.


De Elis ela regrava Sai dessa, de Natan Marques e Ana Terra, samba do último álbum lançado pela “Pimentinha”. Foi desse mesmo disco que ela resgatou Só Deus é quem sabe, de Guilherme Arantes, em Menino do Rio. Mart’nália lembra que Elis sempre fez parte da trilha sonora de sua casa e que, por isso, a influência é quase natural. Mesmo caso de João Nogueira, que volta agora com Batendo a porta, um samba de despachar mulher, da parceria com Paulo César Pinheiro. “O João é outra presença importante, que agora tem ainda o filho Diogo na área”, reconhece.



PASSADO E FUTURONa verdade, no cenário do samba o que não falta é renovação. Além de Diogo Nogueira e Mart’nália, que têm DNA na voz, são muitos cantores e compositores que vêm trazendo novas angulações para o samba. Da sofisticação um tanto noturna e depressiva de Rômulo Fróes à criação multifacetada de Rodrigo Maranhão; do talento de Roberta Sá ao novo momento de Maria Rita (outra que traz no sangue o compromisso com o bom gosto e que agora aposta no samba); dos muitos artistas que se reúnem em torno da Lapa carioca, com Teresa Cristina como voz mais conhecida, há um sopro que vem do passado e não tem medo do futuro.




Ao analisar as novas vertentes do samba, a cantora faz questão de não julgar. Seu estilo é integrador, sem ser condescendente. E mesmo com as cantoras mais conhecidas, como Ana Carolina e Zélia Duncan, sabe reconhecer o que trazem de novo e pessoal, o jeito pop-romântico de Ana Carolina e a pesquisa do samba mais tradicional por Zélia Duncan em Eu me transformo em outras. “Esse trabalho nos aproximou muito”, conta.

Para quem pensa que a situação é novidade, Mart’nália responde com versos do padrinho Caetano: “Desde que o samba é samba é assim”. “Essa história passa pelo pagode bom, pelo pagode ruim, pela bossa nova, pelo samba-jazz. Esse é o universo musical do Brasil, que hoje passa também pelo hip hop, pelo funk. É o caminho que representa o Brasil no coletivo do mundo”, avalia. Para a cantora, tudo é válido, desde que fuja ao modismo. “Quem está chegando é porque tinha que chegar mesmo”, atesta. E é com esse espírito de comunhão, reverência e renovação que Mart’nália agora só quer saber de charme.

SOL E LUA

O disco tem dois produtores, Arthur Maia e Celso Fonseca. Muito próximos da cantora, cada um a seu jeito parece tocar numa corda da sensibilidade de Mart’nália. Arthur, mais experiente, responde ainda pela parceria em três canções: Alívio (com Djavan), Deu ruim (com Mart’nália e Ronaldo Barcellos) e Angola (também de Mart’nália, Maré e Paulo Flores). O produtor e arranjador cria o ambiente para a porção mais suave, pop e macia do disco. Como na canção Não encontro ninguém que me queira, de Thiago Mocotó, e Tava por aí, da parceria da cantora com Mombaça. São temas com refrão acentuado e muito balanço.


Celso Fonseca também assina uma canção, Ela é minha cara, em parceria com Ronaldo Bastos. Totalmente no clima charme, a música é uma bossa cheia de veneno na letra e na melodia, bem ao jeito da cantora. Celso, que já havia produzido Mart’nália fica com a parte mais sofisticada do trabalho, como as faixas que trazem as regravações. Além de Elis e João Nogueira, a artista canta com personalidade Alegre menina, tema de Dori Caymmi para texto de Jorge Amado, que freqüentou a novela Gabriela nos anos 1970, na voz de Djavan, ou “Dija”, como o trata Mart’nália. A gravação é dedicada a Nana Caymmi e tem participação de Luiza Possi.


As duas faixas finais trazem novidades para a madrugada de Mart’nália. Em Tom maior, ela retoma um dos sambas mais politizados do pai. Para encerrar e retomar o clima de noite festiva, ataca de Don’t worry, be happy!, de Bobby McFerrin, em versão com direito a inglês “relaxadão” e versos em português que tocam o estresse da área. Mart’nália confessa, com orgulho e picardia: “Estou mais largadinha”. Para quem quiser conferir, ela avisa que vem a Belo Horizonte, em 11 de outubro, para lançar Madrugada.



ESPELHOS DE JOÃO

João Nogueira (1941-2000), que é homenageado no novo disco de Mart’nália, acaba de ganhar CD póstumo, O nome do samba é João, com show ao vivo gravado em 1998, o primeiro do gênero na discografia do sambista. O disco é um exemplo do suingue e elegância do cantor e traz como maior novidade a inédita O rei da felicidade. A canção mais conhecida de João Nogueira, Espelho, primeira parceria com Paulo César Pinheiro, ganha comentário confessional do sambista em fala emocionada. O cantor emenda Além do espelho, música de 1992, na qual os parceiros retomam o tema do pai, só que desta vez falando para os filhos. Um recado para Diogo, que teve bom espelho para mirar.



DISCOGRAFIA

1987 – Mart’nália
1997 – Minha cara
2002 – Pé do meu samba
2004 – Mat’nália ao vivo
2005 – Menino do Rio
2006 – Em Berlim
2008 – Madrugada

Fonte: UAI

Nenhum comentário:

Postar um comentário