quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O Grande Amor da Minha Vida Foi Mulher!"

Ana Carolina é um dos maiores talentos da nova música brasileira. Aos 33 anos, Escreve com a alma e canta com o coração as dores que são de todos nós. À Vidas, sem pruridos, aceitou falar abertamente da sua bissexualidade e do desejo de vir a ser mãe.

A frontalidade da escrita é talvez uma das grandes características doseu trabalho.Sem papas na língua, consegue romper com a música brasileira politicamente correcta e colocar o dedo nas feridas.

Sente-se uma provocadora nata?



Acho que sim, mas a verdade é que quando canto não sinto que as minhas palavras sejam assim tão fortes. Só me apercebo disso no palco, quando vejo a reacção das pessoas. Mas sim, tenho noção de que a minha música foge um pouco daquilo que é feito pela nova geração da música popular brasileira. Mas esta é a minha verdade e a minha maneira de ver as coisas. Prefiro fazer e correr os riscos.

Qual foi a sua maior ousadia até hoje?
Acho que foi quando assumi a minha bissexualidade.

Acha que essa confissão foi compreendida?
Por incrível que pareça, acho que sim. No meu último disco tinha uma música chamada ‘Eu Gosto de Homens e de Mulheres’ e acho que as pessoas já estavam preparadas (risos).

Que tipo de reacções é que recebeu?
Uma parte de um grupo gay do Brasil contactou-me para me dizer que tinha ficado muito feliz por eu ter assumido.

Acha que já viveu o grande amor da sua vida ou que ele ainda está para vir?



Acho que já vivi um grande amor, mas os grandes amores não são necessariamente os melhores.

Foi com um homem ou uma mulher?
Foi com uma mulher.

E neste momento?
Neste momento penso muito em casar com um homem e ter filhos.

E isso estará para breve?
Não sei. Só sei que estou solteirona. Vamos ver o que acontece. A Adriana Calcanhotto escreveu uma música chamada ‘Comer Caetano’. A Ana inventou o ‘Comer Madonna’.

Qual é a intenção dessa música?
O ‘Comer Madonna’ é uma canção ousada em que eu conto, com detalhes, como seria uma possível transa com um mito como a Madonna. Uma vez perguntaram-me o que ela acharia dessa canção e eu respondi que talvez fosse uma possibilidade de ela querer transar comigo.

A quem é que gostaria de dizer umas boas verdades pessoalmente?



Ao Papa. É inaceitável estarmos no ano 2008 e a Igreja Católica continuar a condenar o uso do preservativo. Não podemos aceitar que em África milhares de pessoas continuem a morrer com sida.

É católica?
Vamos dizer antes que sou babilónica, muitas coisas juntas.O tema ‘Nada te Faltará’ é talvez um dos que mais denuncia o inconformismo na sua escrita.

O que é que mais a incomoda no Mundo?
A falta de respeito entre os povos e a intolerância.

E no Brasil, o que mais a incomoda?
A falta de uma política correcta com a justiça easegurança. No Brasil, a polícia ganha muito mal e, por isso, facilmente troca uma multa por um bom dinheiro ou leva armas para vender na favela. O grande problema é que depois o cidadão não sabe se dentro do carro da polícia vai um agente ou um bandido.

aconteceu escrever alguma canção num momento de raiva?
Geralmente, quando passo por esses momentos de raiva ou revolta, guardo os sentimentos em algum lugar dentro de mim e utilizo no palco. Mas sim, já aconteceu escrever canções em momentos de revolta como o ‘Cristo de Madeira’, que fala precisamente da falta de justiça no Brasil.

A Ana nasceu em Juiz de Fora. Como foi a sua infância?
Tive uma infância com muitas travessuras, mas muito ligada à música. Ouvia rádio, muitos discos da minha mãe e comecei a tocar violão logo aos 12 anos.

Recorda-se da primeira canção que ouviu?
Há uma canção que eu ouvi ainda muito novinha do Caetano Veloso, chamada ‘Vaca Profana’, que me marcou. O que sinto é que tenho passado a minha vida a tentar fazer uma canção igual a essa (risos). Mais tarde ouvi o ‘Retrato a Branco e Preto’ do Chico Buarque e foi quando decidi abraçar esta profissão.

Começou a cantar em bares com 16 anos. Foi fácil uma adolescente no interior do Brasil levar essa vida?



Não, mas deu-me uma grande experiência. Foi muito importante ter começado cedo para agora poder estar aqui, aos 33 anos, a dar esta entrevista. Passei por muita coisa.

Que coisas?
Toquei em muitos bares, todos os fins-de-semana, com um repertório muito vasto de cerca de 200 canções. Foi na noite que aprendi a tocar guitarra e pandeiro e foi na noite que comecei a perceber como era compor.

Como é que se deu a sua ida para o Rio de Janeiro?
Foi aos 24 anos. Um dia tive a oportunidade de actuar numa casa pequena, mas muito conhecida no Rio, chamada Mistura Fina, onde geralmente canta quem se está a lançar. No dia em que actuei tive a sorte de estar a assistir a Alexandra de Morais, que é a filha do Vinícius de Morais, e que me pediu um CD. Em 15 dias já estava com um contrato para lançar o meu primeiro disco.

Ainda tirou um curso de Letras. O que é que pretendia fazer com ele?



Gosto muito de ler e por isso, um dia, decidi tirar literatura em inglês e italiano que era o curso mais próximo daquilo que eu gostava de fazer.

Na altura, quando surgiu, foi muito comparada com a Cássia Eller. Isso incomodou-a?



Não. Para mim foi uma honra. Mas, entretanto, as comparações já passaram. Alguma hora tinham de passar.

Como é que os seus pais vêem hoje a sua carreira?



O meu pai já faleceu, mas a minha mãe anda sempre comigo para toda a parte. Às vezes ela vira-se para mim e pergunta-me: 'Você é minha filha mesmo!?' (risos).

O tema ‘É isso Aí’ foi um verdadeiro sucesso no Brasil e em Portugal. Como é que nasceu essa versão do ‘Blower’s Daughter’ do Damien Rice?



Quando ouvi essa música fiquei completamente apaixonada. Curiosamente, na altura em que comecei a fazer a versão, o Seu Jorge ligou-me a convidar-me para fazer um espectáculo com ele em SãoPaulo. Eu achei uma coincidência muito grande e desafiei-o para cantar-mos essa música.

Sabe se o Damien Rice conhece essa versão?
Um dia recebi um bilhete da empresária dele a dizer-me que ele tinha ficado muito feliz com a música.

Com quem é que gostaria de fazer um dueto?
O meu sonho era mesmo cantar com o Frank Sinatra (risos), mas gostava muito de fazer um dueto com o Roberto Carlos.Com esse é capaz de ser mais fácil!Sim. Deve ser mais tranquilo (risos).


JÁ LI TUDO DE FERNANDO PESSOA"

Quem é a Ana Carolina longe do mundo da música? Hábitos, vícios e manias?



Sou viciada em Coca-Cola light, pinto nas horas vagas e dia sim dia não gosto de ouvir música. Adoro viajar e ler, por isso sempre que venho a Portugal corro as livrarias todas.

Tem algum livro da sua vida?
Só um é muito difícil de dizer (risos).

O que conhece da literatura portuguesa?
Gosto muito de uma escritora vossa chamada Ana Mafalda Leite e, claro, do Fernando Pessoa. Acho que já consegui ler tudo dele.

O que é que gostaria que o futuro lhe reservasse?
Em termos pessoais, o meu desejo é conseguir estar sempre a compor, a escrever, em contacto com a música e nunca me perder por entre as palmas e o sucesso. Em relação ao Mundo, tenho uma preocupação permanente com a água e acho que as pessoas não estão muito atentas a um problema que praticamente já não tem solução.

PERFIL:
Nasceu a 9 de Setembro de 1974. A sua avó cantava em rádios e os seus tios tocavam percussão, piano e violino.

Fonte: Correio da Manhã, 2 de julho. Portugal

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