domingo, 9 de agosto de 2009

A graça de graça

Por Francisco Bosco

A câmera enquadra o rosto de um Mick Jagger novinho, recém-chegado aos twenties. O repórter pergunta: “Quanto tempo você acha que vão durar os Stones?” E Mick: “Um ano, talvez dois…” A cena faz parte do docshow “Shine a light”, dirigido por Martin Scorsese em 2006, quando a banda completava mais de 40 anos. Dos anos 60 para cá, o rock tornouse em grande parte “uma banda numa propaganda de refrigerante”.


Com o crescimento da indústria de discos (pré-internet e pirataria), tornaram-se comuns produtos musicais com obsolescência planejada. Mesmo os artistas “de verdade” perceberam que a continuidade de seu contrato atrelavase à performance nas caixas registradoras.



Em suma, tudo se submeteu a um processo de profissionalização.

O amadorismo foi deixando a cena.

A partir dos anos 70, esse desaparecimento foi constatado. O samba de Bosco e Blanc dizia: “Já não tem mais lugar pra amador.” E Tom Jobim arrematava: “O Brasil não é lugar pra amador.” Ocorre que o amadorismo é — para o bem e para o mal — um traço da cultura brasileira. Foi a bossa nova que lhe deu a expressão utópica de uma perfeição que brotasse espontaneamente, sem esforço, desenhando um caminho (que não foi seguido) para o Brasil.


Mas eis que o amadorismo ressurge na cena inventada por Antonio Villeroy já há alguns anos. Seus saraus reúnem cancionistas, músicos, poetas e simpatizantes das mais diversas linhagens, todos atraídos pela proposta irrecusável de fazer e ouvir música sem receber nada por isso. Você entra num quarto e encontra Maria Gadú sentada no chão cantando “Ne me quitte pas” entre taças de vinho, poucas pessoas e o ouvido atento de Ana Carolina. No outro quarto estará o exímio violonista Daniel Santiago mostrando uma nova peça de sua autoria ou desfilando pérolas da MPB. Enquanto isso, na sala, os gaúchos vão armando sua milonga.


É nessa hora que a noite caminha para seu clímax. Aí, depois de sambas, de pop, de jazz, o Brasil vai parar lá no Chuí, na fronteira, enquanto todos cantam, dançam e bebem, em estado de graça. E tudo isso de graça.



Fonte: O Globo

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